A MATURIDADE DE SABER
VIVER DIAS MAUS
Texto: Jó 2:9,10
INTRODUÇÃO:
Há um olhar sobre a vida que nos coloca em estado de
alerta quanto a algumas respostas simplistas que costumamos dar aos
infortúnios, insucessos, frustrações e aos sofrimentos por que passamos. Mas à medida que passamos por provas históricas doloridas, amadurecemos,
surgindo, a partir daí, perguntas e dúvidas que põem em xeque uma concepção
religiosa mantida até então quase sem fissuras. Israel passou por dois momentos
históricos: a) a aceitação das respostas tradicionais e b) o momento
das críticas. Por exemplo, o profeta Jeremias, injustamente perseguido,
eleva sua queixa a Deus com estas palavras:
«Ó Senhor Deus, se eu discutisse esse
meu caso contigo, tu provarias que estás com a razão. Mas eu preciso te fazer algumas
perguntas sobre a tua justiça. Por que os maus ficam ricos? Por que os
desonestos conseguem sucesso? Tu os plantas, e as suas
raízes se firmam; eles crescem e produzem fruto. Vivem sempre falando bem de
ti, mas na verdade não se importam contigo. Mas tu, ó Senhor, me conheces; tu vês o que estou
fazendo e sabes como te amo. Ó, Senhor, arrasta essa gente como
ovelhas para o matadouro; separa-os para o dia da matança». (Jeremias 12:1-3 –
NTLH)
Antes
de Jeremias, o Salmo 73:13-16 já
segue esta linha crítica:
«Parece
que não adiantou nada eu me conservar puro e ter as mãos limpas de pecado. Pois
tu, ó Deus, me tens feito sofrer o dia inteiro, e todas as manhãs me castigas.
Se eu tivesse falado como os maus, teria traído o teu povo. Então eu me
esforcei para entender essas coisas, mas isso era difícil demais para mim».
É a partir desta linha crítica que é inserida na
história de Israel novas alternativas para responder ao sofrimento. Os
livros de Jó e Eclesiastes seguem este diapasão. O livro de Jó faz uma crítica
sobre as tradicionais respostas dadas ao sofrimento. Eclesiastes, por sua
vez, põe a situação de outro modo. Ele assevera que o que acontece com o justo,
acontece com o injusto.
Mas, qual o melhor: aceitar pacientemente a dor ou se
revoltar contra ela?
Observemos no livro de Jó uma questão nevrálgica:
A MULHER DE
JÓ NÃO DISSE PARA JÓ
AMALDIÇOAR A DEUS
Em Jó
2:9 está escrito: «Então sua mulher lhe disse: Ainda
reténs a tua integridade? Blasfema
de Deus, e morre.»
Só que a mulher de Jó NÃO disse: «Amaldiçoa
[BLASFEMA] a Deus, e morre». Vejamos algumas traduções para que nossa ideia
seja ampliada sobre o assunto:
1. NTLH
— “Você ainda continua sendo bom? AMALDIÇOE a Deus e morra!”
2. KING JAMES — “Deixe de
ser teimoso em sua lealdade homem! Isso não vai resolver nada, AMALDIÇOA logo a
Deus e morre!”
3. ARA — “Ainda
reténs a tua integridade? BLASFEMA de Deus, e morre”.
4. BIBLIA VIVA — “Você
ainda continua sendo íntegro? O melhor que você pode fazer é AMALDIÇOAR Deus e
morrer!”
5. NVI — “Você
ainda mantém a sua integridade? AMALDIÇOE a Deus, e morra!”
Segundo o hebraico, língua em que o Antigo Testa-mento foi escrito,
aparecem as palavras «Barech Elohim», que significa «ABENÇOAR, BENDIZER,
LOUVAR A DEUS» (Dicionário Hebraico – Português e Aramaico-Português, da
Editora Sinodal, Co-Editora: Editora Vozes Ltda, 8ª edição, 1997, página 33).
A ideia do texto é que Jó desista da sua integridade, mas não deixe de
louvar (bendizer) a Deus por tudo que até ali YAHWEH lhe concedeu. O texto
deveria, mais ou menos, ter esta tradução:
«Desista, não há mais o que fazer;
louve [bendize, abençoa] a Deus por tudo que já tivemos de bom no passado e
aceite que estamos derrotados».
A repreensão de Jó à sua mulher: «Você fala como uma insensata.
Aceitaremos o bem dado por Deus, e não o mal»? (NVI),
se dá em razão do fato de ela não acreditar mais na possibilidade de Deus mudar
o cativeiro do esposo.
É fato comum a todos nós seres humanos, não aguentarmos o nível mais
doloroso do sofrimento. É aqui que a nossa fé sofre profundas alterações. Evidentemente, estamos falando de mudanças sem nenhum tipo de anomalia
comportamental. É algo que faz parte da existência.
«ACEITAREMOS O
BEM DADO POR DEUS, E NÃO O MAL»?
Nesta
passagem vétero-hebraica há um ponto que sempre me passou despercebido por
conta de estar sempre olhando outros aspectos da
vida de Jó. Aceitar esses dois lados divinos, que podem tocar nossa existência,
é algo extremamente desafiador.
Comumente, somos ensinados a ver a Deus como resolvedor-mor
de nossos problemas. Um Deus de amor. Esta maneira «shazan» de ver a vida é
demasiadamente superficial. A mulher de Jó foi sensata até um certo ponto,
mas, por se deixar levar pela incerteza, acabou incentivando Jó a aceitar a
derrota.
Como
pastor há 36 anos e mais de 40 de ministério observando o que acontece em nossa
igrejas e nas milhares de igrejas brasileiras, creio que o que se pode fazer
como tentativa de dar um encaminhamento coerente a esta massa evangélica,
pentecostal e pós-pentecostal, principalmente, é, no primeiro
momento, falar a verdade que o povo precisa saber e trazê-lo para o
mundo real. Depois, devemos descontaminar o povo dessa liturgia
maníaca, neurótica, triunfalista, na qual está chafurdado; em terceiro lugar
mostrar que o caminho a ser tomado é o da MATURIDADE.
Não há meias verdades. É pegar ou largar. A vida nos
traz momentos bons e maus. Temos que saber viver esses dois lados da
existência.
ENTREGAR-SE AO ACASO OU A DEUS?
No caso de sofrimento não há meias medidas. Ou nos
entregamos a Deus ou ao acaso. Se, porventura, nos entregarmos ao acaso,
estamos isentando Deus da nossa história de dor, e estamos aceitando, por assim
dizer, que as coisas acontecem de forma contingencial, e devemos, passivamente,
viver das incertezas derivadas dessa escolha. Não há nada absoluto e qualquer
outra coisa é apenas uma forma de nos iludir.
Agora, se aceitarmos que é Deus quem está por trás de
tudo em nossa vida, a conduta pode tomar dois caminhos: o a) da paciência ou o
b) da revolta.
Se pegarmos o caminho da paciência, devemos esperar
silenciosamente sua ação e manifestação de livramento; se tomarmos o percurso
da revolta, devemos aprender que devemos falar de Deus e contra Deus para Deus,
resolver com Ele a nossa angústia, mas nunca falar contra Deus para as pessoas.
A CRISE CHEGA A ISRAEL
A conduta do povo de Deus no período do Velho Testamento em relação ao sofrimento tinha dois
comportamentos: a) aceitação tácita e
b) revolta. O estado de revolta do
sofredor estava fundamentado numa ideia seletiva, que afirmava haver dois
grupos no mundo: a) os bons e b) os maus.
Observem o desabafo indignado de Asafe:
«Parece
que não adiantou nada eu me conservar puro e ter as mãos limpas de pecado. Pois
tu, ó Deus, me tens feito sofrer o dia inteiro, e todas as manhãs me castigas.
Se eu tivesse falado como os maus, teria traído o teu povo. Então eu me
esforcei para entender essas coisas, mas isso era difícil demais para mim».
E o de Jeremias:
«Mas tu, ó
Senhor, me conheces; tu vês o que
estou fazendo e sabes como te amo». (Jeremias 12:1-3 – NTLH)
CONCLUSÃO:
Na
verdade, a maior angústia que passamos quando sofremos é a emocional. Sãos os
porquês que precisamos responder para nós mesmos e depois ter que dar aos outros
alguma «desculpa» da razão do nosso sofrimento.
Eu
termino esta reflexão dizendo que a única maneira de mantermos a nossa fé nos
dias maus, é conseguir olhar a Deus com olhos de quem passou por uma experiência
significativamente maior do que tudo que até então foi experimentado de Deus na
vida.
Rev. Paulo Cesar Lima.
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