GOGUE E
MAGOGUE E A NOSTRADAMIZAÇÃO DAS
PROFECIAS
BÍBLICAS
Dias desses,
assisti a um debate, melhor dizendo, a uma exposição sobre um tema da
Escatologia Bíblica – o Gogue e Magogue – cuja apresentação beirou ao
bizarro, extravagante, esquisito, porque os expositores cochilaram
demasiadamente em fazer uma «exegese responsável» dos capítulos 38 e 39
de Ezequiel. O formato que deram aos textos foi de um «futurismo
irresponsável» a «estatísticas estapafúrdias». Eles transformaram
símbolos em fatos reais. Resignificaram a profecia de Ezequiel aplicando-a aos
tempos atuais, numa total nostradamização do texto profético.
Champlin
diz que os capítulos 38 e 39 são cercados de muita controvérsia interpretativa,
não tanto porque têm, inerentemente, grandes dificuldades, mas porque certos
intérpretes forçam sobre eles ideias pouco prováveis.1
Para início
de conversa, o inimigo do norte a que os textos de
Ezequiel se referem não tem nada a ver com a Rússia; trata-se da Babilônia,
Assíria e Turquia Asiática. Assim sendo, estes dois capítulos são
paralelos elaborados e metafóricos de Jeremias 4:5-6:26; 16:15; 23:8.
Cf. Ezequiel 38:17 e 39:8. Ver também Sofonias 1:14-18; Joel 2:20 e Zacarias
6:8.
Os textos em
tela têm um toque de «hipérbole oriental». O temível inimigo do norte
(Babilônia) é visto comandando todas as nações do mundo. Por outro lado, o
inimigo é representado como vencido, esmagadoramente (como os babilônios são
vencidos pelo império medo-persa).
Para não se
cometer erros tão ingênuos, devemos entender, de uma vez por todas, que na
literatura profética e apocalíptica há princípios que não permitem tais
exageros interpretativos, uma vez que ela trabalha com símbolos, mitos, visões,
enigmas ...
Posto que
entendamos que mais uma vez os inimigos de Israel estão se amontoando em um
bloco de muitas nações contra Jerusalém, não podemos, por isso, dizer que o
fato tem a ver com a Rússia, a China, a Turquia, o Irã, etc.
Uma outra
coisa que o leitor precisa saber é que na literatura apocalíptica é comum o
escritor escrever sobre fatos já acontecidos como se ainda fossem ocorrer, pois
esta estratégia camufla a real intenção do escritor apocalíptico. Este, por
exemplo, é o caso de Ezequiel, Daniel ...
Posto isto,
para entendermos a profecia de Ezequiel sobre o Gogue e Magogue, devemos,
primeiramente, ler Jeremias 4:5-18 com atenção. Mais: Jr 6:26; 16:15;
23:8. Cf. Ez 38:17 e 39:8. Ver também Sf 1:14-18; Jl 2:20; Zc 6:8):
«Anunciem em Judá! Proclamem em
Jerusalém: ‘Toquem a trombeta por toda esta terra!’ Gritem bem alto e digam:
‘Reúnam-se! Fujamos para as cidades fortificadas!’ Ergam o sinal indicando
Sião. Fujam sem demora em busca de abrigo! Porque
do Norte eu estou trazendo desgraça, uma
grande destruição.
Um leão saiu da sua toca, um destruidor de nações se pôs a caminho. Ele saiu de
onde vive para arrasar a sua terra. Suas cidades ficarão em ruínas e sem
habitantes. Por isso, ponham vestes de lamento, chorem e gritem, pois o fogo da
ira do Senhor não se desviou de nós. ‘Naquele dia’, diz o Senhor, ‘o rei e os
seus oficiais perderão a coragem, os sacerdotes ficarão horrorizados e os
profetas, perplexos.’ Então eu disse: ‘Ah, Soberano Senhor, como enganaste completamente
este povo e a Jerusalém dizendo: ‘Vocês terão paz’, quando a espada está em
nossa garganta’. Naquela época será dito a este povo e a Jerusalém: ‘Um vento
escaldante, que vem das dunas do deserto, sopra na direção da minha filha, do
meu povo, mas não para peneirar nem para limpar. É um vento forte demais, que
vem da minha parte. Agora eu pronunciarei as minhas sentenças contra eles’.
Vejam! Ele avança como as nuvens; os seus carros de guerra são como um furacão
e os seus cavalos são mais velozes do que as águias. Ai de nós! Estamos
perdidos! Ó Jerusalém, lave o mal do seu coração para que você seja salva. Até
quando você vai acolher projetos malignos no íntimo? Ouve-se uma voz
proclamando desde Dã, desde os montes de Efraim se anuncia calamidade. ‘Relatem
isso a esta nação e proclamem contra Jerusalém: ‘Um exército inimigo está vindo
de uma terra distante, dando seu grito de guerra contra as cidades de Judá.
Eles a cercam como homens que guardam um campo, pois ela se rebelou contra
mim’, declara o Senhor. ‘A sua própria conduta e as suas ações trouxeram isso
sobre você. Como é amargo este seu castigo! Ele atinge até o seu coração!’»
Ezequiel 38:17,18: «Assim diz o Soberano Senhor: ‘Acaso você não é aquele de quem falei
em dias passados por meio dos meus servos, os profetas de Israel? Naquela
época eles profetizaram durante anos que eu traria você contra eles. É isto que
acontecerá naquele dia: Quando Gogue atacar Israel, será despertado o meu
furor, palavra do Soberano Senhor’».
De acordo com
os “especialistas futuristas” em Schaton, os dois capítulos de Ezequiel
não têm paralelo histórico e pertencem absolutamente ao futuro. A destruição
descrita deve acontecer antes que Israel se levante e assuma sua posição como
chefe das nações, antes do Reino do Messias. Os intérpretes que ensinam esta
ideia fazem dos dois capítulos descrições do Armagedom.2
Uma outra
interpretação vinda dos futuristas é a que diz que estes capítulos falam
sobre uma guerra preliminar a Armagedom, talvez a Terceira Guerra Mundial, enquanto
Armagedom seria a Quarta. Conforme este argumento, a Terceira Guerra Mundial
seria uma luta ocidental-oriental, a Rússia e seus aliados de um lado, e
os Estados Unidos e seus aliados do outro.
Atropelando
todo o contexto histórico, alguns a colocam dentro da Grande Tribulação, enquanto
Armagedom viria depois desse período, como o gran finale. Dr. Russell
Champlin diz que esta variação incorpora ideias duvidosas, como as que
identificam o «ros» (chefe) de Ezequiel 38:2 e Meseque e Tubal (v. 3), respectivamente
a Rússia, Moscou e Tobolsque, meramente porque estes nomes têm sons
semelhantes.
A questão é
tão crítica e improvável, historicamente falando, que vários intérpretes
dispensacionalistas (até eles) já abandonaram tais argumentos, por serem
infundados.
Sobre esses
extremismos na interpretação de Ezequiel 38 e 39, diz Champlin:
No nosso tempo, o
comunismo entrou em colapso, e a Rússia não tem capacidade para promover uma
Terceira Guerra Mundial. Também nos encontramos no século XXI, e não parece
provável que o calendário escatológico dos dispensacionalistas se realize.
Aqueles intérpretes ensinavam que a década de 1990-2000 seria o tempo da Grande
Tribulação e, logo depois, o milênio se iniciaria no Sétimo Milênio.
Aquela ideia (originalmente) foi emprestada do livro
pseudoepígrafo de II Enoque, que falou do «tempo do homem», como
os seis mil anos, e da era da paz, com os mil anos seguintes. Na década de
1990-2000 nenhuma Grande Tribulação incluiu um colapso econômico. Portanto,
tentar colocar os capítulos 38 e 39 de Ezequiel «no nosso tempo» e,
especificamente, nesta data, nos envergonha. É a tendência de pessoas
religiosas que pensam que sabem bem mais do que realmente sabem.3
Um exame
isento de preconceitos dos nomes geográficos mencionados nos dois capítulos
revela que as localidades não se estendem tanto ao norte, para atingir a
Rússia. Os lugares são da Assíria, da Babilônia e da Turquia
asiática. Portanto, historicamente, está em vista o exército universal da
Babilônia, com sua própria aniquilação subsequente pelos medos-persas. A
linguagem não deve ser restrita por uma cronologia limitada, nem por uma
geografia exata. É pomposa e contém hipérboles orientais, como outros
textos de Ezequiel.
Os
dispensacionalistas, sendo precisos demais, caíram num grande equívoco. Assim,
devemos continuar com nossas pesquisas, porque ser muito vago também é um
equívoco.
Embora não
haja razões para duvidarmos da idoneidade de profetas, por exemplo, como
Isaías, Jeremias e Ezequiel, os quais realmente viram a chegada do ataque
babilônico, porque não foi um fato tão distante, é esperar demais deles ver
acontecimentos relativos a um futuro distante, como, por exemplo, nossa era. É
exagero aplicar profecias dos antigos hebreus ao nosso tempo; as pessoas que
caem nesse equívoco pagarão o preço.
Alguns
estudiosos das profecias bíblicas chegam a dizer que profecia, especialmente
aquela variedade de «longo alcance», tem a tendência de ser nostradamizada.
Fazendo o
caminho do profeta Daniel, muitos estudiosos afirmam que as profecias bíblicas
que «se realizaram» foram escritas «depois dos fatos». As alegadas «profecias»
eram registros históricos. Por isso, um grande número de rabinos prefere uma
leitura simbólica dos textos de Ezequiel a literal. Segundo eles, os capítulos
simbolizam qualquer grande inimigo de Israel, ou o próprio princípio das nações
contra aquele país. Assim declaram:
Não devemos
esforçar-nos para encontrar significados nas localidades geográficas
mencionadas, nem procurar aplicar estes capítulos ao futuro, próximo ou
distante. Os detalhes de tais profecias são elementos de uma parábola profética e não devem ser
encarados como específicos ou dogmáticos.
(O estudo continua)
RPC
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