ÁGUA EM VINHO
INTRODUÇÃO:
O mais importante desta
narrativa bíblica em tela, entre outras coisas que se pode falar, é a sua
multidimensionalidade em termos de aplicação. É um texto riquíssimo para
momentos devocionais como este que estamos vivendo aqui/ agora.
Em primeiríssimo lugar, desejo, num esforço hercúleo por
sintetizar o que quero falar, dizer alguma coisa que tenha a ver com o nosso
desejo e urgência de passarmos por uma grande mudança da parte de Deus.
Segundo
a Mishna (veja também Deuteronômio
20:7: «Há alguém comprometido para
casar-se que ainda não recebeu sua mulher? Volte ele para sua casa, para que
não morra na guerra e outro case-se com ela»), o matrimônio
compreendia duas etapas: erusin e nissu’in. Erusin, primeira etapa, é como um noivado, celebrado diante de duas
testemunhas, quando o noivo dizia “seja
você consagrada a mim...”. Através deste ato a moça era “reservada” ao rapaz, todavia sem
relação conjugal. Trata-se já de um compromisso que não se podia dissolver (só
com divórcio ou morte), mas não é ainda uma relação matrimonial. Algum tempo
depois (12 meses em alguns casos) se
concretiza o matrimônio, o nissu’in.
Não era um ato automático, pois o consenso de ambas as partes era necessário.
Geralmente
as mulheres eram pedidas por um pretendente a seu pai quando estavam com idade
entre 14 e 17 anos. Cerca de um ano depois, dava-se o casamento e os noivos iam
morar com a família do noivo. O casamento consistia em uma festa que, conforme
a situação financeira da família da noiva, poderia
durar até meses, ou apenas uma ou duas noites. Os mais pobres não faziam festa alguma, apenas pediam a moça, preparavam os
aposentos do casal e, no dia marcado, iam buscar a noiva que ganhava as joias
da mãe do noivo, principalmente se esta fosse falecida.
Com esta primeira evocação, concluímos que a narrativa do
quarto evangelho não se trata de um casamento de pessoas pobres.
COMO SE DAVA
O CORTEJO
O casamento realizado na Palestina do primeiro século era um evento.
Toda a aldeia participava acompanhando o casal ao seu novo lugar e usavam o
caminho mais longo para receber os cumprimentos do maior número de pessoas que
pudessem. Todos, segundo o dito judeu, «desde os
seis até os sessenta anos seguiam o tambor nupcial.»
Os rabinos reconheciam que qualquer homem podia até mesmo abandonar os
estudos da Lei para participar da alegria de uma festa de casamento.
Quando um casal se casava na Palestina, ele não saía em viagem de
núpcias. Eles ficavam em casa. Durante uma semana recebiam os seus amigos [se fossem ricos, a festa podia durar meses].
Eles os tratavam e até os chamavam de príncipe
e de princesa. Era a semana mais
feliz de suas vidas. Eles escolhiam os amigos que assistiriam a essas
festividades.
Segundo o Dr. J. Alexander Finday, o cortejo
do casamento era acompanhado por dez
virgens vestidas com roupas muito alegres que dançavam e tocavam alguma
classe de instrumento musical e iam cortejando a noiva até a casa do seu futuro
esposo.
Finday diz que
uma das melhores coisas que se fazia em um casamento de classe média na
Palestina, era surpreender o cortejo nupcial dormindo. O noivo
chega de forma imprevista, às vezes no meio da noite. Na verdade, a opinião
pública exige que envie um homem pelas ruas a clamar: «‘Atenção! Chegou o noivo!’», mas isso
pode suceder a qualquer momento; de maneira que o cortejo deve estar preparado
para sair a qualquer hora que o noivo decida vir...
Outra coisa importante, de acordo com o
Dr. J. Alexander, é que não se
permitia a ninguém sair ao chamado do noivo, depois de anoitecer, sem uma
lâmpada acesa e, além disso, uma vez que era chegado o noivo e a porta fechada,
não se deixava entrar a quem chegasse tarde à cerimônia.
QUAL O SENTIDO
SECRETO, ESPIRITUAL POR
TRÁS DESTE
MILAGRE DE JESUS
No
Evangelho de João as histórias contadas têm
sempre dois sentidos. O primeiro é o dos fatos em si. Neste caso, houve mesmo um casamento e Jesus, sua mãe
e seus apóstolos estavam lá, como convidados. Nesse casamento, Jesus fez a
transformação da água em vinho. Mas há também nas narrativas de João um
segundo sentido. É o sentido secreto,
espiritual, o chamado simeon = sinal, se assim o
quisermos chamar. E esse é infinitamente mais importante. O que todos os outros
evangelistas chamam de «milagres», o quarto evangelho chama de «sinais». Os
sete sinais em João são:
- A transformação da água em vinho, em Caná – Jo 2:1-10;
- A cura do filho do funcionário do rei – Jo 4:46-54;
- A cura do enfermo (paralítico) em Betesda – Jo 5:1-9;
- A multiplicação de pães e peixes – Jo 6, 1-13;
- Jesus caminhando sobre o mar da Galileia – Jo 6:16-21;
- A cura do cego de nascença – Jo 9;
- A ressurreição de Lázaro – Jo 11:1-46.
O MAIOR MILAGRE APONTADO POR
JESUS
À primeira vista, parece que
a grande questão do texto em tela, apesar das diversas linhas interpretativas,
é a questão do não planejamento.
Aproveitando-me da deixa da sugestão, faço uma pergunta aos casais para
desenvolver todo o meu raciocínio: até aonde pode nos levar um ministério mal
planejado?
Algumas coisas que se avizinham como
fatos corriqueiros e certos de acontecer num ministério devem nos levar, pelo
menos, a uma pre/paração. Devemos
entender que qualquer planejamento tem uma multidisciplinaridade.
Isto quer dizer que, além de criar um plano para
otimizar o alcance de um determinado objetivo, planejar é estudar, organizar, coordenar,
ações a serem tomadas para a realização de uma atividade visando solucionar um
problema ou alcançar um objetivo. Portanto, eu posso asseverar que qualquer
planejamento consiste em uma importante tarefa de gestão e administração,
que está relacionada com a preparação,
organização e estruturação de um determinado objetivo. Isto
significa que é líquido e certo que qualquer ministério que não for alvo de
um planejamento, começará a fracassar nos menores detalhes.
Segundo Rubem Alves, são as coisas PEQUENAS que nos separam e não as
GRANDES. Nas grandes, somos solidários e nos unimos, PORQUE se trata sempre de
uma questão de sobrevivência. Um grande exemplo sobre isso é uma família
desgastada; ela está prestes a ser destruída, mas se houver um fato novo que
ameace a sua sobrevivência, ela se une.
VAMOS AO QUE INTERESSA DESTE
FATO
Não
deixa de ser estranho que o Evangelho de João, que conta apenas sete
milagres do Senhor, dê tanta atenção a este milagre que, à primeira
vista, parece ter até muito pouco valor. Faltava vinho num casamento e Jesus
fê-lo aparecer, transformando em vinho a
água destinada a LAVAGENS RELIGIOSAS.
Como
já falamos acima, os milagres feitos por Jesus tinham pelo menos três sentidos:
1.
Mostrar a divindade de Jesus aos seus opositores.
2.
Mostrar que Jesus era o Messias de fato.
3.
Os milagres de Jesus encerravam críticas severas ao sistema sócio-político-religioso.
O
milagre da água que se transforma em vinho abrange todos esses três elementos.
Porém o último deve chamar a nossa atenção: a crítica ao sistema
sócio-político-religioso da época do homem de Nazaré.
Há
três coisas no texto que gostaria de destacar:
1. A PALAVRA
DE MARIA, MÃE DE JESUS: «Façam
tudo o que ele lhes mandar». Devemos sempre estar apoiados na
Palavra de Deus e não em nossos conceitos, ideias, razão. Se queremos ver o
milagre acontecer em nossos casamentos, em nossa relação conjugal, em nosso
ministério, ele tem que vir da fonte original: Deus.
2. A ORDEM DE JESUS: «‘Encham os potes com água’. E os
encheram até à borda». Aquela
água não estava destinada a isso. Havia problemas em fazer o que se estava
mandando. Ora, convenhamos, quem disse que é fácil fazer a vontade de Deus. Ela
pode vir a nós e nos exigir coisas extremamente difíceis. Mas «Façamos tudo o que Ele nos mandar fazer».
3. MEXENDO COM O SAGRADO DA RELIGIÃO: «Ali perto havia seis potes de pedra, do tipo usado
pelos judeus para as purificações
cerimoniais; em cada
pote cabia entre oitenta a cento e vinte litros». Transformação se faz na essência. Este
primeiro milagre de Jesus deve chamar a nossa atenção, porque é o único milagre
que é irreversível. Quando fazemos dos nossos erros um tipo de «purificação
cerimonial», haja talhas para conter tanta água para nos lavar.
Jesus não veio remendar, consertar, emendar. Ele veio transformar, dar nova forma, feição ou caráter, mudar, modificar,
transfigurar, converter.
Não
podemos transformar o nosso ministério ou a nossa prática cristã à semelhança
de um rio Ganges, onde o sagrado se
mistura à sujeira. Pastor, chamado por Deus, não pode levar a igreja que
pastoreia a ficar se arrastando em atos constantes de purificação; esta água já
está velha, ou seja, apodrecida. Jesus quer transformar o nosso ministério em
algo novo: vinho novo em odres novos.
Não podemos ficar nos limpando nas águas já sujas
dos nossos “rituais” para termos uma sensação de limpeza, pois nunca chegaremos
a uma transformação real.
CONCLUSÃO:
Aprendemos
nesta manhã três lições deixadas pelo milagre de Jesus transformando a água em
vinho.
1.
O milagre de Jesus não pode ser algo passageiro, como se fosse um remendo.
2.
Temos que dar ouvidos ao que Ele nos mandar fazer.
3.
Ministério que não parte para o tudo ou nada, segundo a Palavra de Jesus,
ficará enchendo talhas e mais talhas na tentativa de se purificar. Só que essa
água não traz alegria, ela só faz remendar. O vinho trazido pelo evangelho,
muda, transforma.
Termino com as seguintes palavras: «O vinho novo do evangelho não é destinado a nos deixar confortáveis, mas a
nos fazer novos».
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