AGIORNAMENTO – ADAPTAÇÃO AO ESPÍRITO DO
TEMPO
A grande maioria dos
cristãos tem sido impiedosamente instruída nos estreitos conceitos da
sistemática evangélica. E o pior disso tudo é saber que noventa por cento do
povo evangélico nem sequer procuram investigar se as informações que recebem
consubstanciam a verdade plena. Destarte, tornam-se meros imitadores e cegos
propagadores de ideias extremamente tabuizadas e desatualizadas.
Acostumamo-nos (o que
é absurdo!) a escutar, a gravar e a repetir todas as informações bíblicas que
nos são passadas, sem antes mesmo ler e comparar seu conteúdo hermenêutico.
Aliás, somos excelentes ventríloquos – pois falamos estritamente as palavras
que são colocadas em nossa boca. Por isso mesmo é que citação como a que “o ladrão
[interpretado como satanás] vem senão para roubar, matar e destruir...”, é
facilmente engolida, sem qualquer questionamento e ponderação. Ora, não é
preciso ir muito longe, analisando o texto supracitado para concluir que o
versículo 10, do capítulo 10, do quarto evangelho, não faz alusão à mórbida e
peçonhenta figura do diabo, mas, sim, a líderes impostores e mercenários, que
usam a inocência e credulidade humanas para proveitos pessoais.
Por esta e outras
razões muito mais fortes é que precisamos tomar a iniciativa de re-ler, de
re-investigar, de re-analisar, de re-interpretar, ponto a ponto, toda a
Dogmática Evangélica, desprendidos dos “grilhões” denominacionais, a fim de ter
visão mais comprometida com a coerência e a autenticidade das Sagradas Escrituras.
Embora por observação
saiba que ousadia, coragem, espírito pioneiro, iniciativas novas não são
virtudes especiais do evangélico tradicional, mas obediência, submissão,
respeito à tradição e veneração às autoridades constituídas, e especialmente muita
prudência, como observa com arguta ironia certo escritor, tenho a absoluta
certeza de que, se não houver um “agiornamento”, ou seja, uma adaptação ao
espírito do tempo, e se continuarmos evitando os contatos que podem fazer
vacilar as nossas convicções, transformar-nos-emos numa ilha.
Acredito piamente que
o problema fundamental para a proliferação da sub-cultura evangélica, na forma
de um astigmatismo teológico, está na falta de idoneidade da maioria dos
líderes eclesiásticos, que, pouco ou nada, não buscam conseguir independência
nas suas próprias conclusões teológicas a partir de investigação e meditação;
não têm coragem de re-investigar conceitos tradicionais que lhes foram passados
na forma decoreba e, estranhamente, se fecham numa alienação intolerável
(estilo medieval), fazem ouvidos moucos, evitam confrontos, preferem não saber,
não ouvir, não ler e não se questionar. Querem permanecer no seu pequeno mundo
“reconciliado”. Afora isto, há ainda uma constelação enorme de líderes que está
muito aquém dos limites permitidos em termos de conhecimento teológico. Daí por
que tantos absurdos, distorções e discrepâncias, que crescem num ritmo
alucinante nas culturas evangélicas, comprometendo comportamentos e deformando
padrões cristãos.
Penso que, com certa
urgência, precisamos de re-ver vários dos nossos conceitos tradicionais a
partir, é lógico, de uma visão imparcial, aberta; menos conveniada com modelos
denominacionais; menos dogmática, mantendo a nobreza de espírito de não deixar
que os conceitos sejam estereotipados, para não caírem nos abismos das
delimitações religiosas. Se esta postura for tomada pelos pesquisadores
bíblicos, certamente eles não incorrerão nos mesmos erros dos nossos
antepassados.
Eu não estou, com
isso, querendo relativizar as ideias tradicionais e nem marginalizá-las, mas,
sim, e sobretudo mantê-las no campo das discussões e ponderações teológicas,
porque acredito que só a partir daí surgirão entre nós, evangélicos, conclusões
mais idôneas, mais plausíveis e mais convincentes.
Concluo dizendo que
se faz mister teologar mais os temas bíblicos que nos foram passados, visto que
carecem de maiores observações. Pois a fé madura é aquela que é fruto de um
processo de observação, dúvida, interrogação e vários questionamentos. Constituída
com essas bases, a fé funda um horizonte de compreensão e um novo começo a
partir do qual posso entender toda a realidade. Nesse processo de
desabrochamento e aperfeiçoamento da fé a teologia desempenha uma função
importantíssima. Ela ajuda para que a fé não decifre como Deus aquilo que não
pode ser Deus. Isto posto, a teologia, refletindo a fé, constitui-se como
permanente crise para as representações da própria fé, no sentido de manter a
fé sempre como fé, de purificá-la e acrisolá-la, para que permaneça sendo cada
vez mais uma res-posta adequada a uma pro-posta divina.
RPC.
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