DEUS RESTRINGE A
PROVAÇÃO
«Não veio sobre vós tentação, senão humana; mas fiel é Deus, que não
vos deixará tentar acima do que podeis, antes com a tentação dará também o escape, para que a
possais suportar». (1 Coríntios 10:13)
No original grego, «...tentação...» e «peirasmos», que significa «teste», «provação», «tentação para a prática do mal». Esse vocabulário pode incluir ou não a ideia de alguma questão moral envolvida. Pode simplesmente indicar um teste difícil, uma prova, e não alguma tentação tendente a prática do mal, uma incitação ao pecado. Por outro lado, essa palavra pode envolver a ideia de incitação ao pecado. Essa foi exatamente a palavra utilizada pelo Senhor Jesus, em sua oração, no trecho de Mt 6:13, onde Ele diz: «...e não nos deixeis cair em tentação...» E também o mesmo termo usado para indicar as tentações que Satanás lançou contra o Senhor Jesus, no deserto. (Ver Luc. 4:13). Na passagem de Tiago 1:12 essa mesma palavra e empregada para indicar, bem definidamente, a tentação a pratica do mal.
E logico acreditarmos, por conseguinte, que a tentação referida
neste versículo tem por intuito incluir questões tanto «morais» como «amorais», isto é,
tentações para a prática do pecado (o que e evidente no próprio contexto), mas
igualmente «testes», «períodos de
dificuldades», o que também
se evidencia quando consideramos, no contexto, o que Paulo mesmo esperava para
o fim desta era, refletindo uma doutrina judaica comum, de que haveria um
período geral de tribulações, em todos os sentidos, quando se aproximasse o fim
da presente dispensação. (Ver I Pe 4:12 e Apo. 3:10 quanto a essa mesma ideia,
nas páginas do N.T.).
Deus não tenta a homem algum para a pratica do mal (ver Tg
1:12), embora ele permita que as tribulações nos sobrevenham (ver Mt 6:13); e
destas últimas o Senhor Jesus orou pedindo livramento. Satanás foi capaz de
tentar ao Senhor Jesus com o mal, mas isso o diabo jamais teria podido fazer,
sem a permissão divina.
«...humana...». Todas as tentações, ≪induções≫ a prática do mal ou «tribulações» são «humanas». Isso significa apenas que
pertencem aos «homens», comuns a seu nível, comuns a sua
experiência terrena, pelo que também não podem ser algo extraordinário e
avassalador para nos. Desde o princípio da história humana que os homens tem
sofrido das mesmas formas de testes; não existem tribulações novas, que nos
surpreendam devido a sua novidade. Os homens da antiguidade foram atingidos por
toda a sorte de desastres. Outro tanto sucede conosco. Os homens antigos foram vitimados
por todas essas calamidades; e outro tanto pode suceder conosco.
As tentações vitimaram os homens
antigos; e podem vitimar-nos se não exercermos a autodisciplina. Contudo, as tentações
que nos assediam são adaptadas para as forças humanas, para as condições
humanas. Temos sido armados com os meios que nos capacitem a derrotar tais tentações;
e assim poderemos faze-lo, se nos valermos dos meios postos a nossa disposição.
Podemos ser ou totalmente
derrotados pelas tentações, podemos ser até mesmo destruídos, espiritualmente
falando, ou podemos usa-las como degraus que nos elevem a um mais elevado
desenvolvimento espiritual.
Podemos encontrar homens
pertencentes a ambas essas categorias, na igreja cristã.
Não parece que Paulo estivesse
contrastando duas formas de tentação, a humana e a demoníaca, porquanto até
mesmo as tentações demoníacas assaltam aos crentes, conforme aprendemos em Efe.
6:12 e ss. Não obstante, sem importar a fonte de onde elas provem, continuam
sendo «humanas», no sentido que são comuns a experiência
humana, não transcendendo ao poder da vontade humana, contanto que o homem seja
ajudado pelo Espirito Santo.
O apóstolo dos gentios, portanto,
dizia que podemos triunfar; mas que esse triunfo não e necessariamente inevitável
ou fácil. A experiência humana mostra-nos que tal vitória não é fácil.
«...Deus é fiel...» E isso pelas razoes
expostas em seguida —ele exerce controle sobre todas as tentações que sobrevêm ao crente em
sua vida, ele permite somente aquelas tentações que podem ser toleradas, sem
importar se essas assumem a forma de testes, de sofrimentos, de perseguições ou
de incitações para a pratica do mal. Além disso, Deus prove sempre um meio de
escape, quando somos assediados pelas tentações, desviando aquelas outras que,
de modo algum, poderíamos suportar. Sim, Deus e «...fiel...» no
sentido de «digno de confiança», como alguém em quem se pode
confiar, no que diz respeito a essa questão das tentações.
A
FIDELIDADE DE DEUS
1. Existe o «poder de Deus», que nos guarda, escudado em sua
promessa (ver 1 Pe 1:5).
2. Os próprios castigos divinos
são planejados com o propósito de aprimorar a nossa espiritualidade, e não
meramente com a finalidade de punir-nos pelo mal que tivermos praticado. Esse e
um dos aspectos da fidelidade de Deus para com os seus «filhos», nos quais ele está formando a
imagem do Filho.
3. As tentações diárias são
controladas por Deus. E fatal que venham essas tentações, mas não chegam a nós
sem qualquer razão, e sempre tendem para o nosso bem.
4. Os pais terrenos podem castigar
seus filhos por mero capricho (ver Hb 12:10), mas Deus jamais age dessa
maneira, pois todos os problemas da vida, que envolvam ou não o pecado, são
presentes que nos são dados a fim de encorajar-nos a prosseguir no caminho
espiritual e aprimorar a nossa espiritualidade. (Ver Jo 7:6; 11:4 e At 7:9,10
acerca da «providência divina»).
«...não sejais
tentados além das vossas forças...» Um crente conta com reservas de forças
até mesmo para enfrentar os poderes espirituais malignos. Não obstante,
compete-lhe utilizar-se de certos meios para desenvolver esses recursos, a fim
de que possa usa-los prontamente quando isso se tornar necessário. Precisa ter
certo nível de espiritualidade, desenvolvido mediante a oração, a meditação, a
comunhão com o Espirito Santo, a transformação segundo a imagem moral de
Cristo. O próprio Cristo e o exemplo supremo das reservas de forças espirituais
que resguardam o homem de Deus contra qualquer modalidade de tentação. As
passagens de Hb 2:18 e 4:15 mostram-nos que Jesus foi tentado em todos os
pontos em que também o somos, embora jamais tivesse cedido ao pecado Cristo
Jesus não pecou, não porque não pudesse, faze-lo; pois, nesse caso, não
serviria de exemplo e de consolo para nos. Mas não pecou porque o seu
desenvolvimento espiritual, através da presença do Espirito Santo, era tão
grande que foi capaz de resistir as formas mais variegadas e difíceis de
tentação, incluindo a «incitação
ao pecado», as «tribulações», as «perseguições» e os «momentos difíceis».
Tiago expressou essa mesma ideia de maneira um tanto mais poética, ao
dizer: «Bem-aventurado o homem que suporta com perseverança
a provação; porque, depois de ter sido aprovado, recebera a coroa da vida, a
qual o Senhor prometeu aos que o amam» (Tia. 1:12). Sim, a verdadeira bem-aventurança
espiritual e conferida ao homem digno de receber a coroa da vida, isto é, o dom
da vida eterna, com a consequente participação em tudo quanto Cristo é e tem, a
glorificação em Cristo. (Quanto a notas expositivas gerais sobre as «coroas», ver II Tm
4:8. Quanto ao «tribunal de Cristo», ver II
Co 5:10. Quanto aos «galardoes», ver I Co 3:8,14).
A resistência às tentações, em suas variegadas formas, aumenta o poder
do crente. Mas a cessão ante as mesmas destrói as defesas espirituais dos
remidos. (Quanto a como as tribulações podem ser uma bênção, ver Rm 5:3. Quanto
à «persistência», como uma
qualidade espiritual, ver Rm 5:3.
«...juntamente com a tentação...» No original grego temos «...o
livramento...», com o artigo definido, o que certamente indica «o meio de
escape». Mui
provavelmente isso quer dizer que no caso de cada tentação, manifestar-se-á
alguma maneira pela qual podemos escapar ao mal, algum meio que nos capacite a
suportar a dor e a tristeza. O «meio de escape» é sempre adaptado a cada
circunstância. O pecado se faz presente e é poderoso; nenhum indivíduo escapa a
tentação a prática do mal. Mas esse não é o «escape» prometido. Testes de ordem física e
espiritual, grandes tragédias, são acontecimentos poderosos, debilitadores,
desencorajadores, algumas vezes avassaladores; mas Deus sempre se mantém
próximo do crente. Paulo promete aqui alguma ajuda divina em cada caso, embora
não especifique exatamente o que devemos esperar. E essa «ajuda» será tão
variegada como as tribulações.
«Ele (Deus) conhece os poderes que nos conferiu, bem como quanta pressão
somos capazes de resistir. Não permitirá que sejamos vítimas das circunstâncias
que ele mesmo determinou para nós e ‘impossibilita non jubet’... Tentação e provação,
e Deus ordena as provações de tal modo que ‘sejamos capazes de suportá-las’. O
‘poder’ é conferido paralelamente com a ‘tentação’, embora a resistência não
nos seja proporcionada; essa resistência depende de nós mesmos».
(Robertson e Plummer, in loc.).
«E uma demonstração de covardia cedermos a tentação, bem como um voto de
desconfiança a Deus». (Robertson, in loc.).
A parte seguinte do presente versículo deixa entendido que o «escape» só
aparece através da resistência e da persistência do crente.
«...de sorte que a possais suportar...» Notemos que não nos e dado o «escape» por meio
da ausência de toda a tentação; nem nos é outorgado o «escape» porque
logo somos livres da tribulação. Antes, esse «escape» nos é
proporcionado ‘porque’ temos podido resistir e chegar ao triunfo. Somente essa
forma de escape e de disciplina e que pode produzir qualquer crescimento
cristão substancial.
«Com frequência, o único ‘escape’ se verifica através da ‘resistência’. Ver Tg 1:12».
(Vincent, in loc.).
«Fechem-se em um 'cul de sac ’ os desesperos de um homem; mas que
ele veja uma porta aberta para sua saída; e ele continuará lutando, levando a
sua carga. A palavra grega ‘ekbasis’
(escape) significa ‘saída’, escape para longe da luta. Logo em seguida aparece
‘upenegkein’ (sustentar debaixo de
algo), em que esta última ação e possibilitada pela esperança relativa aquela
primeira. Quão diferente é tudo isso da consolação estoica dos suicidas: ‘A
porta continua aberta’! No caso desta epístola aos Coríntios, a ideia de ‘tentação’
deve incluir tanto as atrações em direção à idolatria como as perseguições que
o abandono da idolatria envolve». (Findlay, in loc.).
«Que outros interpretem isso à sua maneira.
Quanto a mim, sou da opinião que essas instruções visam o consolo dos crentes,
a fim de que, ao ouvirem tão espantosos exemplos da ira de Deus, que o apóstolo
acabara há pouco de relatar, não se sentissem descoroçoados, dominados
inteiramente por um senso de alarma». (Calvino, in loc.)
«... A providência de Deus abre um caminho em
meio à teia. Deus sempre abre uma brecha nessa fortaleza doutra maneira
inexpugnável. No caso de alguma alma reta entrar em dificuldades e apertos,
podemos descansar certos de que haverá um ‘meio de escape’, tal como houve uma
‘entrada’; e também que o teste jamais ultrapassará as forças que Deus dá a
cada qual, para que possa suportar à prova». (Adam Clarke, in loc.)
Rev. Paulo Cesar Lima
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